Não preciso amar: eu escolho amar
Por ter nascido numa família disfuncional, onde o clima emocional e espiritual era permeado pelo medo, raiva, vergonha e culpa, cresci alimentando um mecanismo de sobrevivência que me impedia de manter uma autêntica intimidade com outro ser humano, uma vez que não pude desenvolver a capacidade de confiar.
Os constantes e variados tipos de abusos que sofri por parte das pessoas significativas na mais tenra idade fizeram com que eu vivesse num constante medo de ser exposto a situações vexatórias e dolorosas e que acabou formando uma personalidade extremamente ansiosa e medrosa.
A dependência de sexo e relacionamento foi o mecanismo que se apresentou e com o qual me identifiquei para sobreviver e poder dar vazão ao acúmulo de emoções negativas de tantos anos (sensação de vazio, inadequação, vergonha, medo, ansiedade, raiva e outras mais). A sensação de desligamento que encontrava em cada situação romântica e/ou sexual foi o elixir do prazer imediato que me possibilitou por momentos me afastar de minha própria realidade emocional e espiritual.
Não me lembro de, em nenhum momento da minha vida. ter sido passada a informação de que eu sou um ser único, um representante individualizado da Essência Divina, deste Ser que me faz ser.
A constante exposição a este ambiente disfuncional, com toda sua carga emocional negativa, fez com que eu me afastasse gradativamente desta minha Essência Divina. Hoje sei que inconscientemente, o que eu buscava em cada relacionamento ou situação sexual, era o preencher da minha “sede de plenitude”, que só poderia ser saciada através de uma conexão direta com o Divino. Durante anos, insiste de várias maneiras, na busca dessa conexão através de mecanismos externos, onde muitos deles, acabaram por se tornar em verdadeiras prisões adictivas.
Hoje, em recuperação, consigo ver que tanto a dependência de sexo e relacionamento quanto a recuperação, me levaram a tipos diferentes de isolamento (uma espécie de deserto emocional/espiritual). Na busca do prazer imediato, acabava por me afastar cada vez mais de mim mesmo (minha realidade interna), das pessoas (que se permitiam à vitimização imposta pela minha doença) e da idéia preconcebida do deus vingativo e castrador.
Lembro-me que durante a minha ativa tinha a vontade de “me fundir” junto ao corpo das minhas “amadas”, o que mostra bem o anseio inconsciente de unicidade, de totalidade expressa tão somente através da experiência direta do Divino, fruto da aplicação contínua dos princípios espirituais contidos em nossos Doze Passos e Doze Tradições, comumente conhecido em anônimos como “despertar espiritual” – um verdadeiro oásis de bem-estar e unidade espiritual
A recuperação me levou ao isolamento dos objetos anestesiantes, das pessoas da ativa e a um dos isolamentos que qualifico com dos mais importantes de toda a minha vida: a morte de Deus. Não teria como iniciar uma verdadeira recuperação sem o descartar do pré-conceito religioso de um Deus masculino, punitivo, castrador, uma espécie de homem superior não amoroso (a visão que eu tinha de deus era a mesma que se apresenta na pintura de Michelangelo, na capela de Sistina).
Vivi por muitos anos de modo inconsciente aceitando as “doações de fora” provenientes de uma sociedade que me bombardeava maciçamente com mensagens que me prometiam a satisfação das minhas mais profundas necessidades, por meio de situações externas (transbordantes de conotações sensuais e amorosas). Essas mensagens apelavam não apenas para a minha vaidade ou desejos emocionais/sensuais, mas também pelo anseio da conexão com o Divino (mensagem subliminar, ou seja, um estímulo que não é suficientemente intenso para que o indivíduo tome consciência dele, mas que, repetido, atua no sentido de alcançar um efeito desejado). Passei por longos anos acreditando que o relacionamento perfeito, o tipo de “transa perfeita”, a “profissão perfeita” e outros tipos de “finitos absolutos”, poderiam resolver minha divina inquietude interna. Acreditei no absurdo contido em frases do tipo: “a metade da minha laranja”, “a tampa da minha panela”, “minha outra metade”, “minha alma gêmea”, que se tornaram uma verdadeira obsessão, alimentadas sempre pelas constantes mensagens e imagens visuais e sonoras de cunho romântico e/ou erótico. Quanto mais bebia dessa água, mais sede sentia; verdadeiras miragens no deserto. Foi preciso questionar e descartar totalmente os velhos, arcaicos e disfuncionais sistemas de crenças que me mantiveram enclausurado na masmorra da minha adicção, que me impediu por anos de vasculhar o interior do castelo e encontrar o “reino espiritual”.
Hoje, não é mais possível falar sobre o amor, através do mito romântico. Minha compreensão de amor se ampliou, através da ampliação de minha consciência: Deus é amor manifesto em minha consciência. Isto me está claro e bem impresso no 11º Passo (melhorar meu contato consciente com o Deus da minha concepção) e na 2ª Tradição (um Deus amantíssimo que se manifesta na minha consciência). Para mim, amor é a vontade de me empenhar ao máximo para nutrir o meu próprio crescimento espiritual que resulta na ética de nutrir o crescimento espiritual de outros que como eu, não se entregam mais ao “conformismo social, ou se preferir, normose horizontal. Amor é verticalidade. Amor é a eterna procura pela transcendência dos próprios limites impostos pela conformidade aos ditames sociais e familiares, para um estágio de maior consciência. Optar pelo amor é dedicar-me ao desenvolvimento da capacidade de amar; é dedicar-me à raça da qual faço parte. Não posso ser uma fonte de amor, ao menos que tenha uma “autêntica experiência interna do amor” e que procure manter o meu próprio bem-estar e unidade interna, através de momentos de silêncio e solitude e isso não é um trabalho fácil, feito sem esforço de minha parte – muito pelo contrário: é o trabalho e o sentido de toda uma vida.
Optar pelo amor é optar pela busca constante de um maior contato consciente com o Divino, com o universo, uma busca pelo relacionamento de minha alma com o Divino – uma união mística, a qual só pode ser realizada por meio da auto-renúncia de seguir aos ditames do meu egocêntrico eu compulsivo.
Optar pelo amor implica em atenção, dedicação, compromisso, fidelidade e exercício constante de “confiança na voz silenciosa da intuição”. É a dedicação constante na busca de uma maior ampliação de consciência através de um verdadeiro exercício de escuta conseguido através da disposição da prática do esforço pessoal.
Optar pelo amor significa “correr os riscos” necessários para se diferenciar da normose operante; é dizer não a um ambiente social que não satisfaz minhas necessidades mais profundas; é não mais me permitir “empurrar a vida com a barriga”. É o eterno compromisso de me recusar a tolerar relacionamentos limitantes e castradores do meu verdadeiro Self.
Optar pelo amor é me permitir pelo corajoso questionamento de meu sistema de crenças.
Optar pelo amor é me permitir dar um salto qualitativo em busca do desconhecido – da minha essência divina, capaz de fazer ressurgir das cinzas minha independência e individualidade única. É me permitir passar por louco, não temendo mais a desaprovação social e familiar – estar livre dos ditames do tipo “você tem que”, “você deve”, resultantes de um comportamental social limitante.
Optar pelo amor significa um comprometimento profundo e fidedigno para com a “voz interior silenciosa”. O verdadeiro amor não pode existir sem o compromisso e sem este, a vida e seus relacionamentos não têm qualidade.
Optar pelo amor é me permitir ao erro, uma vez que eu esteja disposto a usar este erro como uma espécie de trampolim para um estágio maior de consciência amorosa. É se permitir à verdadeira intimidade – abrir meu “intimus” para o “intimus” do outro. É assumir o compromisso do autoconfronto, da percepção e da mudança comportamental necessária.
Optar pelo amor é não assumir o papel de Deus, mas agir em conformidade com a imagem e semelhança da minha concepção pessoal de Deus. É ver Deus em mim, refletido no Deus do outro.
É expressar um sentimento de reverência no lugar do abuso.
Optar pelo amor é contrariar a minha “preguiça espiritual”, minha tendência relutante contra novos paradigmas que possam ampliar a minha consciência e a minha responsabilidade frente à mesma.
É não mais me permitir ser indulgente com minhas próprias racionalizações que me forçam a continuar em minhas “zonas de conforto”.
Optar pelo amor é estar consciente de mim mesmo enquanto me movo através da vida. Isso exige que eu preste atenção não só as minhas ações externas, mas também que eu esteja atento à minha realidade interna.
Optar pelo amor é viver e agir de maneira determinada, consciente e em simplicidade. É abrir mão de todos os condicionamentos que tornam a vida tão complicada. È questionar minha atual relação com aquilo que eu consumo, com o tipo de trabalho que exerço, com as pessoas com as quais me relaciono e a minha ligação e responsabilidade para com a natureza e o cosmos.
Optar pelo amor significa encarar a vida de frente, sem distrações desnecessárias e ver em cada sincronicidade do dia a dia uma manifestação da Presença Impessoal.
Optar pelo amor é a aceitação do compromisso da busca de um estilo de vida exteriormente simples, mas interiormente rico, de forma tal que possa ser uma livre expressão do meu verdadeiro eu.
Optar pelo amor é a capacidade de transferir quantidades cada vez maiores de energia e atenção antes dadas ao materialismo horizontal para o aspecto não-material e, assim, evoluir espiritualmente, culturalmente, em compaixão e em sentido de comunidade em unidade.
Optar pelo amor é optar pela eliminação do que é desnecessário; é optar pelo simples e enxergar através da simplicidade, o Espírito que preside todas as coisas.
Optar pelo amor é buscar pela religião “dentro de mim mesmo”; é buscar pela Graça capaz de trazer graça para tudo aquilo que já não tem mais graça.
Paz, serenidade e sobriedade a todos!
Um anônimo agradecido