Anorexia 4

Anorexia 4

Companheiros,

Ao escrever este depoimentop, optei por falar na anorexia em seu todo, e não classificá-la em partes, pois ao meu ver, seria o mesmo que discutir as mais variadas espécies de bebida alcoólica, sendo que o problema não está no tipo de bebida, mas sim, no álcool. Procurei analisar as características básicas da anorexia, e também a sua manifestação e origem. Tudo que será exposto aqui, que fique bem claro, representa a minha opinião e não a opinião de DASA.

Durante o decorrer dos depoimentos dos companheiros ficou claro para mim que a anorexia é uma doença que através do contato físico do anoréxico com as demais pessoas causa-lhe um desconforto físico, mental e espiritual. Ficou muito claro para mim que a raiz da anorexia, esta no egocentrismo. Esse egocentrismo faz com que para alguns a anorexia se apresente como um isolamento crônico, tanto físico como emocional e em outros companheiros, apenas o isolamento emocional. No caso destes, a euforia e a necessidade de ser o centro das atenções, é uma maneira segura de evitar uma real intimidade, pois estando vivendo em grupo, se torna mais difícil, para estes, um contato emocional maior. Este tipo de comportamento, onde a anorexia fica sendo extremamente difícil de ser reconhecida, funciona mais ou menos assim: ser centro das atenções, sim; intimidade, não. Confesso aos companheiros que me enquadro neste tipo de comportamento anoréxico.

Esse egocentrismo, que é o grande responsável pela total incapacidade de manter uma verdadeira intimidade com outro ser humano, gera a incapacidade de amar incondicionalmente os outros seres humanos. Na busca dessa “intimidade” o anoréxico acaba confundindo erroneamente o verdadeiro espírito de intimidade e companheirismo com sexualidade.

A anorexia, ou melhor “egocentrismo”, quase sempre impõe ao dependente dois tipos de comportamentos: ou ele se esconde no pé do morro, ou quer brilhar no topo do morro.

Quanto às manifestações da anorexia, que consegui observar tanto na anorexia emocional como na anorexia social e sexual, a que mais se destaca é a manifestação de medos egocêntricos, a preocupação excessiva com os resultados e com a opinião das pessoas, com relação ao nosso comportamento. Fica claro para mim que viver num estado de total preocupação com a própria pessoa torna o isolamento cada vez mais forte. Ora! O que é isso, então, se não o nosso acariciado e protegido egocentrismo? Esses medos, quase sempre infundados, nos obrigam a nos escondermos das pessoas, através do “funil” das nossas “expectativas”, por onde ninguém consegue passar.

A seguir, coloco algumas manifestações de comportamentos anoréxicos em comum. São eles:

  • Ausência de círculo de amizades.
  • Quase sempre o anoréxico limita o seu círculo de amizades a poucas pessoas.
  • Dificuldade de expressar suas idéias e sentimentos.
  • O anoréxico sente uma enorme vontade de expressar suas idéias, pensamentos, vontades e sentimentos, porém, não o consegue, devido a enorme barreira formada pelas justificativas baseadas em medos egocêntricos.
  • Não reagir e não corresponder em ações.
  • Isolamento do contato social – fugir de conversas mais íntimas.
  • Sentimentos de inveja das pessoas extrovertidas e desinibidas.
  • Necessidade de estar em atividades que impossibilitem um maior contato íntimo (trabalho, estudo…)
  • Extrema dificuldade de manter contato por telefone.
  • Sentimento de inadequação e uma cobrança interior muito grande para sair dessa situação.
  • Medo das pessoas cobrarem por um comportamento mais social.
  • Dificuldade de se harmonizar e de entrar em sintonia numa conversa de grupo.
  • Atitudes extremistas – o anoréxico ou foge através de um isolamento ou se abre inconseqüentemente com pessoas desconhecidas.
  • Apagamentos, branco mental durante uma conversação ou explanação. Conversação sem ritmo, sem base, fuga do assunto.
  • Uso de mentiras e justificativas para encobrir a realidade solitária.
  • Uso da rejeição como um mecanismo de defesa contra a rejeição dos outros.
  • Dificuldade de lidar com as emoções. Sentimento forte de vergonha e culpa.
  • Insegurança crônica, geradora da extrema necesidade de aceitação, que faz com que o anoréxico se preocupe em suprir as necessidades do outro ao invés das próprias necessidades.
  • Dificuldade de receber carinho e a incapacidade de amar incondicionalmente.
  • Sentimento de superioridade para esconder a realidade interior: um profundo sentimento de inferioridade.

Quanto aos sintomas da recuperação ficou claro para mim que, ao início da conscientização de que o problema está na própria pessoa e que não está em nenhuma situação externa, de que a solução do problema está na própria pessoa e não em qualquer tipo de fuga, e isso gera um alívio imediato. Ao tomar contato com outros membros que relatam sofrer do mesmo problema, o anoréxico consegue perceber que sofre de uma doença, cujo comportamento não é único e exclusivo, de que na verdade não está só. Isso lhe dá a conscientização de que já não pode mais fugir ou procurar esconder esse comportamento.

Alguns dos sintomas descritos pelos companheiros, relativos a recuperação, são estes:

  • Aceitação de que esse tipo de problema não é uma “esquisitice”, mas sim, uma doença.
  • Melhora da auto-estima.
  • Mellhora na racionalização e verbalização.
  • Compromisso pessoal de não fugir da raia, de não evitar relacionamentos.

Uma vez tomada a consciência e ter tido a aceitação deste tipo de comportamento dependente, os anoréxicos em recuperação procuram estabelecer uma lista pessoal de comportamentos anoréxicos, seguida de uma lista de critérios de sobriedade. Essas duas listas são fundamentais no processo de recuperação. A primeira é o “leito de rocha firme”, onde será construída uma nova vida e a segunda a “bússola” que norteia o caminho da recuperação.

Porém, ao meu ver, tanto o conhecimento dos padrões anoréxicos, como a confecção dos critérios de sobriedade, não proporcionam ao anoréxico o poder necessário para a mudança que resultará na recuperação. E talvez seja essa a grande pedra que atrapalha a recuperação: a falta de consciência da total falta de poder para a mudança de comportamento. Muitos até poderão achar que esta afirmação seja um tanto absurda, pois já tomaram a consciência ao fazerem o 1º passo; porém uma análise um pouco mais detalhada, pode nos dar a verdadeira resposta. O que se verifica, é que na realidade, apenas trocamos de comportamentos, temporariamente, pois não temos o “Poder” necessário capaz de sustentar a nossa precária força de vontade. Falta de Poder; esse foi sempre o motivo da continuidade da nossa doença.

O estudo da literatura, a freqüência as reuniões, o contato com os companheiros, o apadrinhamento, tudo isto é muito bom e necessário para tomarmos a “consciência”, o “conhecimento” dos nossos padrões de comportamento, porém, não nos outorgam o Poder necessário para cortar a raiz da anorexia: o egocentrismo. É preciso um Poder Superior à nossa vontade própria para nos libertar através da graça necessária para a dissolução da nossa anorexia.

Acredito que se faz necessário estabelecer critérios de sobriedade, acreditando que são metas que só poderão ser conquistadas através da ajuda de um Poder Superior, ou seja, vivendo na graça de Deus da maneira que cada um concebe a Deus.

Paz e Serenidade e Sobriedade à Todos!

Fraternalmente,

Um DASA em recuperação.