Celibato

Celibato

Olá companheiros, sou uma dependente de amor e aexo em recuperação!

Existe um macete na minha profissão de quando a gente tem que começar um texto e não sabe por onde começar, pode-se ir até o dicionário e procurar o significado da palavra; e pela primeira vez eu fui ver o que significava celibato. Fiquei muito assustada com o que vi, por que não era nada do que esperava. Eu esperava algo muito ligado à vida dos padres e das freiras, aquela coisa de obrigação e tudo mais. E o que vi é que a palavra celibatário é a condição da pessoa “solteira”… só isso! Era tão simples que fiquei até perdida… mas como? Não tem mais nada? Para mim, tinha que ter mais alguma coisa. Fiz isso esta semana, após ter passado a minha experiência de celibato. Tenho a sensação de que a minha experiência de celibato foi muito isso, ou seja, foi muito simples! Não tentei complicar, eu vivi a minha vida.

Também peguei o livro Isto não é Amor, do Patrick Carnes, para dar uma olhada nos conselhos sobre o celibato e anotei alguns que achei que tinha a ver comigo. E de certa forma os pratiquei nestes quase três meses de celibato. Encarei como uma parada de tempo e não um fim. Foi exatamente o que fiz. Não queria um celibato eterno, até porque o mesmo tinha tempo para terminar (sabia que uma coisa que se prolongaria seria perigoso para mim porque tenho anorexia também). Procurei apoio do grupo, da madrinha e do conselheiro e aí foi onde me apoiei. Minha madrinha foi fundamental no meu processo de celibato. Esperei pelos problemas que iam surgir (tive vários tipos de problemas). Compreendi que a resistência é típica… houve momentos que foram muito difíceis e houve momentos que foram tão agradáveis que não queria sair nunca mais. Preparei-me para os novos sentimentos; milhões de sentimentos surgiram, milhões de coisas apareceram porque tirei tudo durante a minha recuperação e fui tirando aos pouquinhos aquelas coisas que me “drogavam” de alguma forma. Durante o celibato  tive uma enorme gama de novos sentimentos. Não eram exatamente novos, mas acho que a percepção dos sentimentos que tive era uma coisa que não tinha antes.

Planejei atividades que ampliassem minha experiência de celibato e isso foi a base do meu celibato. Já tinha tentado fazer o celibato antes (de um mês) e acho que não foi um celibato bem sucedido porque não tinha nada, não tinha programação nenhuma. Fui ver no DASA (como é sugerido aqui) que existe um trabalho por baixo disso, e por isso que acho que depois valeu a pena.

Tive um relacionamento no começo deste ano que terminou com um período de recaída (tive três relacionamentos misturados com muita confusão emocional). O terceiro relacionamento que me fez terminar o namoro e que foi um relacionamento especialmente doloroso para mim deu-me a tônica básica da história para me mostrar o primeiro passo, ou seja, que eu era impotente perante a minha dependência de amor e de sexo e que eu tinha perdido o domínio da minha vida. Fazer o que fiz com ele quando eu saí na primeira noite, não conseguir dizer não, não conseguir fazer nada do que tinha me proposto a fazer ao sair de casa, não foi doloroso, mas foi até um alívio de ter a percepção desse primeiro passo. Foi um relacionamento muito difícil, muito rápido, mas muito esclarecedor para mim porque eu já estava dentro de uma sala de DASA e vinha compartilhando seriamente com a minha madrinha, conseguindo deixar o relacionamento. Só consegui terminar o relacionamento porque entrei em celibato. Foi muito engraçado porque entrei em celibato numa quinta-feira e numa quarta-feira fui numa reunião de DASA e vi que o celibato não batia para mim como uma coisa de recuperação, porque desde o primeiro grupo anônimo que conheci a minha programação tinha que ser diária. Se alguém me dissesse que teria que ficar sem beber por um ano eu não conseguiria porque aquela condição de ficar “uma semana sem”, ou “um mês sem” era tão longe para mim que não conseguiria.

Também foi muito importante para mim, aprender dentro de um grupo que “tenho direito de mudar de opinião”. E mudei de opinião no dia seguinte e foi a melhor coisa que fiz, porque encontrei com a minha madrinha e ela me sugeriu que entrasse em celibato por uma semana e aquilo me deu muita esperança. Se ela me dissesse para ficar durante quinze dias eu não agüentaria. E entrei em celibato e colocamos alguns tópicos para esse começo, que seria, por exemplo, que esse cara com quem me relacionava não poderia ir até a minha casa porque morava só com a minha irmã e eu correria muitos riscos. Ele não poderia me beijar, o contato físico permitido seria só o abraço, sem masturbação ou relacionamento sexual de tipo algum.

Isso me deu um certo desespero, uma sensação e uma vontade de querer me recuperar rápido, mas tinha que ser um dia de cada vez. Mas por vezes não queria que fosse um dia de cada vez. Aí a minha madrinha me falou uma frase que ainda hoje me lembro, que era “Onde estou agora é o melhor lugar para começar!” e foi justamente o que pensei naquele dia. Comecei a fazer a minha primeira semana de celibato, prolonguei para mais uma semana e basicamente nessas duas primeiras semanas fiquei trabalhando com a minha madrinha. Começamos com uma idéia de luto. Eu teria que fazer um luto do último relacionamento, que não seria nem esse, seria do namorado. E logo no começo percebi que teria que fazer isso de todos os meus relacionamentos passados, porque nunca terminei nenhum deles: eu sempre começava outro, sempre um atrás do outro. No meio do celibato a gente foi descobrir que esse cara foi o primeiro relacionamento do qual eu abdiquei. Eu mesma terminei e quis sentir essa perda. Isso foi muito difícil, levei quase dois meses para conseguir. Depois de uma semana de celibato fui conversar com ele para finalizar e foi muito horrível, porque ele não me respeitou nem validou os meus sentimentos. Eu sentia tudo porque estava em celibato e estava muito limpa, trabalhando todos os meus sentimentos e falando para ele que eu não queria mais. Abri o meu anonimato, porque até então ele não sabia (hoje é inconcebível para mim, uma pessoa que esteja do meu lado e que não saiba da minha condição). No final da conversa, ele muito sedutor (esse e um dos meus piores padrões, eu sou muito sedutora também!), não parou de piscar o olho para mim. A sedução vazava por todo lado e eu me sentia muito mal com aquilo. Na noite anterior eu havia estado com ele e ele me deu um abraço e o contato físico foi muito estranho porque depois de uma semana sem contato físico eu passei muito mal durante a noite. Eu estava sozinha em casa e tive muito enjôo, cheguei a levantar durante a noite para vomitar. Desde que entrei em DASA já passei mal duas vezes à noite por ter mexido muito no meu emocional, mas isso faz parte da recuperação.

Logo após ter trabalhado o luto comecei a trabalhar o confronto e isso foi logo após o meu celibato, fazendo uma carta de confronto para o meu pai e para a minha mãe. As duas cartas tinham o mesmo teor, que era basicamente responder a quatro perguntas: O que o abuso fez com a minha vida? Como me senti? Como repercutiu na minha vida atual? Como quero que seja a nossa relação agora? Escrevi uma carta muito grande e que considero muito pesada para a minha mãe (eu não mandei ainda). Tudo foi muito estudado e tudo isso foi muito legal para mim! Não fui fazendo de qualquer maneira, do tipo vou escrever e pronto! Minha madrinha me deu um texto para ler e fui com as idéias básicas de que eu não iria acusar ninguém, não iria apontar o dedo para ninguém, massim eu iria dizer como eu havia me sentido. E escrevi, escrevi tudo! Quem foi a minha abusadora foi a minha mãe e foi muito bom ter escrito essa carta para ela. Também me foi sugerido que eu não mandasse a carta logo… a minha vontade sempre foi essa, mas depois de certo tempo a reli, acrescentei coisas, escrevi no computador e ainda não mostrei para a minha madrinha (tenho muito trabalho ainda por fazer). Não sei qual vai ser o resultado dessa carta e tenho que estar preparada para o que der e vier, e não sei se já estou preparada, mas um dia estarei.

Depois de completar um mês de celibato, decidi fazer mais um mês de celibato. Queria refazer um teste de HIV que havia feito no final do ano passado, para ter certeza do resultado, e achei que tinha que fazer pelo menos três meses de celibato. Não que seja obrigado determinar esse período, mas sim porque que eu e minha madrinha achamos conveniente esse período mínimo. Achei que era um tempo suficiente. Nesse período de celibato tive momentos muito felizes e tive momentos muito dolorosos, mas a maioria foram muito bons. Eu tinha a sensação básica de que o celibato me faria me sentir feliz, que eu poderia viver sozinha e feliz, sem ter que precisar de uma outra pessoa para me fazer feliz. Isso era a coisa mais importante que tinha que descobrir, ou seja que posso ser feliz sozinha, que posso estar com outra pessoa por opção, mas não preciso dela para ser feliz, como antes eu achava. Nesse trabalho, uma das coisas mais fantásticas que o celibato me deu foi me conhecer, me mostrando alguns padrões que estavam encobertos, coisas tão sutis… como um deles, que para mim é o mais pesado, que é a sedução. A sedução em mim era tão forte que não dava para eu perceber. Foi a minha madrinha que me alertou e que me mostrou o quanto foi importante eu parar com tudo para que no meio do celibato eu pudesse perceber a minha sedução. Eu tenho uma vida um pouco diferente do normal das pessoas porque não saio à noite e a minha vida social tem a ver com o esporte, um esporte que pratico que é o alpinismo. Teve uma coisa que a gente descobriu: é que as pessoa normais quando querem sair ligam para outra pessoa e convidam para sair, para ir a um barzinho, para ir a um cinema, mas comigo não : o convite não era para estar lá- e sim para sair apenas; e fui perceber isso só nessa fase do celibato. Então comecei a ficar um pouco desesperada porque vi que eu já estava em celibato mas que aquela sensação continuava. Eu costumava seduzir qualquer pessoa… eu costumo dizer que posso seduzir até uma vendedora de uma loja quando entro para ver uma camisa. Eu usava muito isso! Então fiquei uma semana sem aceitar qualquer convite para sair com qualquer homem. Para poder perceber isso, comecei a anotar quantas pessoas me ligavam. Comecei a ver que eu tinha um padrão muito forte de amigos solitários… no final da semana, eu já não estava mais agüentando de solidão, e cheguei a uma conclusão de que eu não queria deixar de ter amigos homens, mas que eu queria resolver o problema de alguma forma.

Outra coisa que me aconteceu é que eu sabia o que tinha que fazer, mas naquela época, em 1995, não havia muitos exemplos de pessoas em recuperação para seguir aqui no Brasil, mas mesmo assim, uma preguiça maior não me deixou sentar e escrever para os Estados Unidos pedindo por ajuda para que me mostrassem o caminho com companheiros de DASA há mais tempo em recuperação. Então fui fazendo a programação meio que sozinha, de alguma forma, e tudo isso era compartilhando com a minha madrinha diariamente durante uma hora.

Nesse período também fui percebendo que nos relacionamentos com os meus amigos passava o tempo todo respondendo perguntas sobre a minha pessoa e que eu nunca fazia perguntas sobre a intimidade deles. Só respondia perguntas sobre a minha vida e isso não é um padrão de recuperação para mim. Eu precisava também fazer perguntas e me interessar pelos outros. Nesse meio tempo apareceu uma pessoa que hà muito tempo já estava querendo sair comigo e que eu não tinha interesse nenhum nele. Ele não me chamava atenção porque ele não tinha nada de “adicto” e isso não me despertava. Foi engraçado que quem me chamou atenção à respeito dele foi a minha madrinha, que quando o conheceu me falou que ele era legal e que era completamente diferente dos outros. Ele era muito ele e muito atencioso. Ele começou a me conquistar quando me ligou e me disse que gostaria de me conhecer melhor, mas que eu não permitia. Aos pouquinhos a gente foi se encontrando, eu no celibato, abri o meu anonimato. Teve um dia que perguntei para ele o que ele queria comigo, qual seria o interesse dele para comigo. Se eu não estivesse em recuperação eu jamais faria uma coisa dessas, principalmente porque eu tinha muito medo da resposta. Enfim, abri o meu anonimato e ele me aceitou com todos os defeitos que eu tinha e eu achava que não eram poucos. Pela primeira vez entrei num relacionamento sem saber a data do começo, sem ter aquela rigidez de ter que saber as datas de cor. Eu sabia mais ou menos porque acho que isso é uma coisa muito espiritual, porque acho que já queria namorar com ele muito antes do nosso primeiro contato. Inclusive, no meio do celibato, tive um namoro espiritual com uma outra pessoa que foi horrível, mas, eu e minha madrinha chegamos à conclusão de que a gente estava se namorando sem ter nada, porque eu estava em celibato. Com essa segunda pessoa acho que tive um namoro espiritual e foi com ele que saí do celibato antes mesmo do tempo dele terminar. Nós chegamos à conclusão juntos, conversamos antes, a gente já tinha tido muito contato físico de abraço, uma coisa muito segura porque ele não me cobrava nada, e ele estava me respeitando muito. Quando a gente se beijou pela primeira vez ele me perguntou qual seria a conseqüência disso, como seria isso para mim, como que eu ficaria. Ele foi muito atencioso. Eu conversei com ele e chegamos juntos à conclusão de que eu poderia fazer isso, que eu poderia sair do celibato (e quem decidiu fui eu, não estava sendo obrigada por ninguém) e foi muito bom para mim. Isso foi fundamental.

Aos pouquinhos, ele fez a minha volta à minha vida sexual da qual eu tinha muito medo. Sempre conversando muito, falando muito sobre a minha condição de sobrevivente de abuso sexual, trabalhando muito com a minha madrinha. Junto com isso veio a solução para esses meus amigos que na verdade eram gatilhos para mim. Eu cheguei à conclusão de que preciso muito de amigos, mas que se esses amigos só podem sair comigo sozinha, então não preciso desses amigos. Então comecei a falar do meu namorado que para mim é um critério de sobriedade – falar que tenho um namorado. Quando me convidavam para jantar eu aceitava e falava que o meu namorado iria junto, então eles falavam que não queriam e aí dcidi que esse tipo de amizade eu não queria. E isso está funcionando, muitos já sumiram, não ligam, não aparecem, não ficam mais com aquela estória de “Ah! Eu quero te ver…”. Hoje eu quero que ele faça parte das minhas amizades e isso me dá uma segurança muito grande.

Hoje tenho a certeza de que todos esses sentimentos, todos esses pensamentos, dessas coisas que tenho percebido nos meus relacionamentos, vieram devido ao celibato, dessa condição de ter ficado um tempo sem ninguém. Comecei a trabalhar uma série de coisas internas minhas, como por exemplo de que sempre falei que queria um relacionamento mas que não queria um marido, que não queria me casar.

Comecei a trabalhar isso porque isso me soava muito estranho e não poderia ser normal. Sempre achei que um namoro era uma pré-condição para um dia você dividir uma vida. E comecei a trabalhar isso, a ver porque que não quero uma outra pessoa, comecei a perceber que minha vida sempre foi muito solitária, que sempre quis ser muito independente, que tive uma vida completamente anoréxica, que nunca soube dividir, nunca soube ter intimidade. E hoje cheguei à conclusão de que as pessoas não passam à toa em nossas vidas, elas têm uma função, e tive a sensação nítida de que a pessoa que me levou ao celibato era uma pessoa que eu admirava muito e que eu queria muito construir um relacionamento com ela, mas que a minha adicção não deixou. Tenho certeza de que foi Deus que me mandou até orque ela também é adicta, para eu ter a certeza de que eu teria que trabalhar o celibato para que hoje o relacionamento começasse certo. Foi Deus que me mandou essa pessoa com quem eu estou hoje e que com certeza, perfeito ele não é, mas que para a minha adicção ele é perfeito porque não tem anorexia com ele. Ele é muito presente, ele não esquece de nada do que falei, ele é super ligado na família, ele me leva sempre para estar perto da família dele, perto dos pais e dos irmãos, não me dá espaço para não ter intimidade. E acho que o mais importante disso tudo é o colo que ele me dá, o conforto emocional que ele me dá.

Tenho chorado muito nesse tempo que estou com ele, e passo às vezes quase um ano sem chorar e tenho certeza que se ele não me desse esse respaldo emocional eu não conseguiria chorar. Sei que isso vem da minha infância porque a minha mãe sempre me dizia para eu engolir o choro e eu engolia, mas agora estou conseguindo me soltar, conseguindo aos pouquinhos sentir o que tenho que sentir. Tenho muita dor, muita raiva, muita coisa aqui dentro para sentir. Tenho a nítida sensação de que o Primeiro Passo já foi dado, ao mesmo tempo que tenho a sensação de que se eu entrasse no DASA e não entrasse em celibato eu jamais conseguiria. Precisei viver tudo o que vivi para entrar em celibato muito consciente de que era aquilo que eu queria, que era aquilo de que eu precisava, de que aquilo iria me servir para alguma coisa. E me serviu enormemente! Acho que foi o período mais difícil que tive no DASA

A única coisa que não consegui fazer e que gostaria de ter feito durante o período de celibato foi um diário de toda a experiência. Já fiz diários algumas vezes, mas isso é muito penoso para mim emocionalmente. A maneira de eu fazer o meu diário foi falando diariamente com a minha madrinha, o que foi uma peça chave. Hoje entendo porque que é tão fundamental ter o apoio de um grupo, de não fazer sozinho o processo de recuperação, não estipular metas sozinho. Eu só tenho a agradecer, não só a tudo isso pelo que tenho passado, como ao DASA num todo, que foi e é essa chave na minha vida. Eu com certeza considero o DASA muito importante para mim, que é a Irmandade pela qual tenho uma gratidão enorme. Agradeço à todos por esta oportunidade e por este depoimento que é fundamental para a minha recuperação, e quero desejar a todos mais 24 horas! Obrigada!

Anônimo