Quando alcancei a sobriedade me comprometi comigo mesmo a não sair com mulheres durante, pelo menos, um ano. Todos e cada um dos dias de minha vida havia vivido à espera de que apareceria a mulher de meus sonhos, uma espécie de fada madrinha que transformaria de forma mágica minha realidade. Os sentimentos de inferioridade, a dor, a solidão e a angústia desapareceriam. O mundo do qual tanto queria fugir se transformaria em um paraíso. Tudo seria diferente a partir de então. Nem preciso dizer que este compromisso era um das causas das coisas ruins pelas quais passei durante a síndrome de abstinência. Três meses e meio de verdadeiro inferno e de dor emocional, e até mesmo física.
Eu não podia conceber a vida sem sexo nem amor romântico (seria interessante averiguar até que ponto o amor romântico não faz parte da exaltação ao sexo, por não entrar na terra da dependência emocional…). As mulheres, ou melhor, a imagem que minha luxúria criava delas, eram meu Poder Superior. Saber que não sairia com mulheres foi o suficiente para não me entregar às fantasias de possíveis parceiras… de forma imediata.
Eu contava os meses que faltavam para que o ano se completasse e eu pudesse ter uma “relação sadia” com uma mulher, afim de preencher o grande vazio que em mim se fazia notar. Teoricamente, “coloquei isto nas mãos de Deus”; no entanto, não deixava de olhar o calendário.
Com o desejo sexual eu não me atrevia a brincar. Para qualquer imagem ou “gatilho” eu respondia imediatamente com uma oração. Eu sabia que se deixasse que essa imagem se hospedasse em minha mente, mais cedo ou mais tarde partiria para ação e perderia a sobriedade.
Porém em outras áreas as coisas não estavam tão claras. Uma era a da luxúria, o apetite desordenado, da beleza. A “necessidade” de ingerir “tragos visuais” como no caso do álcool foi substituído pela beleza de alguma mulher. Eu percebi que quanto mais eu olhava, mais queria olhar, mais me obcecava com ela, e mais me fechava, envaidecido, em meu interior. A presença de Deus desaparecia e com ela a serenidade e o equilíbrio emocional. Minha vida voltava a ficar ingovernável. Pelo menos até que eu deixasse aquela “droga” novamente e me reconciliasse com Deus.
Descobri que eu necessitava de algo a mais que um “contato de emergência” de última hora com Deus. Como meus olhos iam muito mais do que o desejado, comecei a rezar antes de que a mulher se aproximasse. As coisas iam muito melhor, mas ainda não era suficiente. Além de rezar para ela, saía rezando rua abaixo para outras pessoas, companheiros do programa, colegas de trabalho, família, viajantes – indo com atitude de dar em vez de receber, isto foi o que mais me ajudou a superar este problema.
Então se manifestou claramente a luxúria de amor romântico, de desejar que uma mulher preenchesse aquele vazio interior que há em mim e que só Deus pode preencher. O que foi então que eu vi? Vi que no mais profundo do meu coração nunca havia renunciado à dependência de relacionamento e que nunca a havia colocado nas mãos de Deus. Sabia, num nível intelectual, que eu ignorava, e que ignoro, aquilo que é bom para mim, que as minhas idéias mais brilhantes são as responsáveis por eu estar aqui.
Eu fiz o que me disseram: “Ponha seus relacionamentos aos cuidados de Deus; deixe de buscar, coloque-os nas mãos de Deus e quando você estiver preparado, se Deus considerar que é benéfico para você, colocará a alguém em sua estrada. Deixe de lutar, renda-se”. E eu fiz exatamente deste modo. Da boca para fora. Porém, nunca havia realmente me rendido a ter um relacionamento que um dia se converter-se em minha noiva e finalmente em minha esposa. Eu seguia empenhado de que eu sabia exatamente o que necessitava. Continuei determinado a dizer a Deus o que Ele tinha que fazer por mim.
Para mim, a hora da verdade chegou quando numa das reuniões que assistia – de um programa de doze passos – minha atenção estava se concentrando, pouco a pouco, numa mulher. Comecei a me obcecar. Ao rezar para ela eu me ajudava, muitas vezes, porém, em outras ocasiões, ao me concentrar nela, sua imagem não desaparecia e as fantasias românticas voltavam. Admitindo minha impotência tinha as mesmas conseqüências… umas vezes me saia muito bem,… outras, não tão bem. A mesma coisa com as orações do tipo “Senhor. Que eu encontre em ti o que busco nela”, etc. etc. O caso é que a luxúria de amor romântico deslizava em minha mente de uma forma muitíssimo mais discreta e sutil que a interrupção violenta e ameaçadora da luxúria sexual.
Teria que estar mais alerta, mais atento. Mas isso não era tudo. Faltava algo mais, mas, o que era? Faltava a renúncia profunda e incondicional de um Sexto Passo. O Sexto Passo nos diz que temos que estar disposto à que Deus nos elimine nossos defeitos de caráter. Estar disposto significa que aceitamos viver sem eles, que podemos conceber a vida sem orgulho, sem autopiedade, sem egocentrismo, etc. Renunciamos na raiz de nosso ser, em nosso coração, em nossa alma. Muito mais difícil do que pareça a princípio! No Sexto Passo nossa tarefa se “limita” a renunciar. No sétimo a lhe pedir, sem o exigir; isso é o que significa humildemente. A Deus corresponde fazer o resto como e quando Ele decidir.
Este era o problema. Necessitava renunciar, toda vez que aparecesse uma tentação romântica, para aquela mulher, não só hoje (eu sou um perito em manter cartas do baralho e em esperar que a mulher mude), mas para sempre. Teria que dizer uma e outra vez: “eu aceito viver sem aquela mulher o resto de minha vida”. Sentir a dor que sentia, por mais despedaçado que estivesse por dentro. E imediatamente pedir a Deus que se fizesse presente e que me preenchesse. A verdadeira Conexão.
Hoje sinto de verdade uma necessidade da presença de Deus e de aprofundar de alguma maneira esse contato com Ele. E FOI ENTÃO QUANDO DESCOBRI QUE NECESSIDADE TÃO GRANDE TINHA DE AMAR E QUE A SOLUÇÃO ESTAVA EM PRATICAR ATOS DE AMOR…. teria que dar a alguém… rezar para alguém, fazer algo pelos demais, lhes oferecer minha atenção e meu afeto (ajudar o novo produz resultados surpreendentes).
Para vencer o amor romântico, aquela insidiosa forma de auto-adoração e de falsificação da realidade da outra pessoa, teria que renunciar ao meu “bezerro de ouro”, pedir a Deus que se fizesse presente em minha alma, e dar, AMAR. Só me tornando um canal pelo qual o amor de Deus fosse manifestado para os demais é que eu poderia me libertar das fantasias que aprisionam o meu ego. Porque não há nenhum antídoto melhor à frente do amor romântico que o verdadeiro amor. Diante da sua presença aquele desaparece. Precisamente porque eles são incompatíveis. PORQUE SE EXISTE ALGO OPOSTO AO AMOR ROMÂNTICO É O VERDADEIRO AMOR.
Essay, dezembro de 1996